EXPERIENCIA DE LEITURA : AO CORAÇÃO DA TEMPESTADE

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Will Eisner passou quase toda sua vida em uma luta para provar o valor dos quadrinhos. Fez isto da melhor forma que podia produzindo quadrinhos que são autenticas obras de arte. Aliando um talento excepcional desenhista com uma notável capacidade de narrar histórias, não chega a ser surpresa que tenha produzido varias obras primas que sempre são citadas como alguns dos melhores exemplos da nona arte, como: “Um Contrato com Deus”, “Spirit”, ”Avenida Dropse”, “Pessoas Invisíveis” , entre muitos outros.

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O livro “Ao Coração da Tempestade” é uma destas obras primas que une quase todos os pontos que tornaram Eisner um sinônimo de criador de quadrinhos de qualidade. Por meio de um desenho que mostra ângulos inusitados, cenas muito bens construídas e uma quadrinização dinâmica é muito difícil abrir uma pagina aleatória desta historia e não encontrar uma cena dinâmica e viva como se fosse um frame de um bom filme.

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A história se passa durante o trajeto de um jovem recruta que lutará durante a segunda guerra mundial e que vai se recordando das histórias de sua família. A partir daí este protagonista só serve de elo entre todas histórias (geralmente narrada em flashbacks) do pai e da mãe e da vida destes nos primeiros anos do século vinte na Europa e Estados Unidos.

Nesta mistura de uma ficção com as memórias do autor e os fatos históricos interpretados por vieses pessoais dos personagens principais vão sendo expostas as ideologias presentes naquela sociedade e os preconceitos são desmascarados de forma sutil, sem que a empatia pelos personagens seja diminuída, porque, enfim, são os retratos de pessoas que nós entendemos.

Leitura altamente recomendada tanto para leitores de quadrinhos quanto para qualquer um que queira ter uma boa historia que faça refletir e se questionar sobre a validade de seus conhecimentos.

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Rui Carodi.

Experiência de leitura. BISA BIA, BISA BEL

IMG_20150414_170945403Bisa Bia, Bisa Bel é um livro juvenil escrito por Ana Maria Machado e ganhador de vários prêmios e recomendações desde o seu lançamento. Para entender este livro talvez seja necessário citar um ano, 1981, quando ele terminou de ser escrito e foi lido pela primeira vez.

Bisa Bia é a historia de uma menina que encontra uma foto de sua bisavó (também menina na foto) e, a partir disto, começa um dialogo entre gerações passadas e futuras. Nós, lendo o livro na segunda década dos anos 2000, temos várias nostalgias.

Os anos de 1980 já estão bem distantes, e o cotidiano simples da menina Bel já é um passado que não esperamos encontrar, e embora saibamos que o futuro de Neta Beta seja apenas uma invenção que dificilmente ocorrerá, é fácil achá-lo mais próximo de nós.

Quando a menina Bel encontra o retrato da menina Bia (sua bisavó) um elo sentimental se forma através do desconhecido e da imaginação. Este elo é faz o surgimento da terceira menina da história, Beta, a bisneta de Bia, ser possível e promissor. Esta corrente imaginária só pode ser reforçada pelo estimulo e pelo prazer da criação e descoberta.

A principal descoberta que se vai fazendo durante a leitura é que a formação da personalidade é a junção complexa entre o reflexo pessoal dos acontecimentos que nos rodeiam (no livro, há passagens típicas do final da ditadura brasileira, como a citação aos exilados políticos), e a história, tanto o passado quanto a perspectiva do vir a ser, para formação da vivência e repertório cultural.

Ou, em outras palavras, jamais estamos sozinhos pois somos a soma de nosso tempo com o nosso passado e os desejos do futuro.

Rui Carodi

EXPERIÊNCIA DE LEITURA: O LIVRO AMARELO DO TERMINAL

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É difícil escrever sobre um livro que pessoalmente conseguiu me agradar tanto, mas que sei que apresenta várias características que afastam sua leitura. Vanessa Barbara em seu segundo livro, conseguiu fazer um livro múltiplo e extremamente diferente.

A começar pela escolha do tema. É uma reportagem focada não em um protagonista e, sim, no maior terminal rodoviário da América Latina. A partir disto, várias histórias são contadas. Percorrem a página frequentadores assíduos, motoristas, burocratas, figuras históricas, funcionários, vendedores, anônimos, e a própria narradora.

A narração é complementada ou interrompida por poemas, citações, recortes de jornais, folhetos, etc. Tudo isto ajudando a criar o clima de caos organizado que se encontra no Terminal Tietê.

Além disto o projeto gráfico do livro não é algo a parte. Ele é um elemento importante para a comunicação dos relatos que estão sendo narrados.

A autora é muito competente em apresentar o relato que ela coletou (foram 12 meses só de pesquisa e quase cinco anos até o termino) no momento certo dando coerência mas não tirando totalmente o sentimento de desorganização que se vê em locais muito aglomerados.

O livro apresenta desde uma narração de um incidente envolvendo velhos amigos que se conhecem a tanto tempo que já esqueceram o nome do outro e só sabem o apelido até a historia completa da politica envolvida na construção e manutenção do próprio terminal (usando para isto reportagens de época). Em suma é como um banquete de histórias em que são servidas as mais diversas iguarias para que o próprio leitor possa decidir o que lhe agrada mais.

Eu pessoalmente devo dizer que adorei os capítulos onde a própria Vanessa Barbara é personagem e é contado a interferência da burocracia no trabalho, demonstrando assim como este sistema é estúpido e ineficiente. Outro capitulo interessante é dedicado aos folhetos achados na estação pois dá a ideia da cacofonia cotidiana que lá se encontra.

Um livro belo em vários sentidos que dá ao leitor experiente um sopro de novidade e interesse, mas que depende muito de como o leitor o encara. Exige que haja imersão e imaginação para completar os pedaços de historia que estão escritos. Ou seja, como na vida em que o interesse é que determina quais são narrativas que vai gostar de ouvir.

Rui Carodi.

PS. A foto do livro foi retirada do blog da editora, deste post:  http://editora.cosacnaify.com.br/blog/?p=14646

Experiência de Leitura: Como Me Tornei Estúpido de Martin Page

Como Me Tornei Estúpido Martin Page

Como Me Tornei Estúpido
Martin Page

         É fácil simpatizar com Antoine, Protagonista de “Como Me Tornei Estúpido” do autor Martin Page. Ele é um jovem de 25 anos, inteligente e excêntrico, que ainda visita o mesmo medico pediatra de quando era criança e (em uma cena) é carregado no colo por um amigo (talvez a forma do autor de demonstrar que ele é imaturo). Ele tem conhecimentos inúteis em grande quantidade e vários que o leitor também terá, ou ao menos reconhecerá como comuns aos que se dizem intelectuais. Ou seja, ele é um desses personagens relativamente comuns em sitcoms, que poderia ser descrito como gênio deslocado. Até mesmo, sua decisão de eliminar a inteligência, porque esta lhe esta trazendo mais problemas que satisfações, não soará estranha. Ele é um personagem que é agradável de gostar, e isto pode ser um grande problema.

      Este problema não esta nas situações surreais que ele enfrentará por sua decisão. Quando tentará se tornar alcoólatra, quando tentará ingressar num clube de suicidas, quando tentará usar pílulas ou quando tentará ter sucesso no mercado de ações, todas estas situações são engraçadas e lhe fará encontrar personagens muito interessantes e, em sua maioria, cínicos, os quais tornam a representação do mundo real bem evidente. E não chega nem a ser totalmente previsível o desenrolar dos capítulos, visto que em alguns ele consegue o sucesso, ou o fracasso relativo, ou a decepção plena.

         O problema também não esta no desenvolvimento rápido da história e no seu final apressado. Se imaginarmos que no início desta novela, Antoine não poderia considerar a outras pessoas como iguais, o fato de só perceber outra personagem tão excêntrica quanto ele, e começar um relacionamento chega a ser uma decisão boa para demonstrar seu desenvolvimento, embora ainda pareça tão corrido quanto uma sitcom. O autor queria fazer um livro leve, rápido e divertido. Conseguiu com êxito.

         O problema esta no leitor não perceber que aquele agradável personagem é estúpido desde a primeira linha do livro. E, não percebendo isto, não notar que Antoine é uma representação de si próprio, do tipo comum de nossos dias, que foi educado para se achar especial, em um lugar em que ser especial é doloroso.

Rui Carodi