EXPERIENCIA DE LEITURA: O MENINO MALUQUINHO

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Escrever para crianças não é fácil. E uma das maiores dificuldades é que parece ser muito fácil. Deve-se usar uma linguagem simples, deve-se comunicar bem com outra geração e deve-se lembrar que os adultos responsáveis pelas crianças é que serão os críticos destas histórias. E assim, a maioria dos autores falha, ou por não saber falar com as crianças de uma forma que elas gostem, ou por não convencer os adultos que aquele livro é bom para seus filhos.

Ziraldo Alves Pinto conseguiu escrever vários clássicos infantis, como Flicts, O Menino Marrom, O Planeta Lilás, e principalmente O Menino Maluquinho. A pergunta que fica é então: como Ziraldo conseguiu escrever tão bem para crianças?

Para tentar uma resposta vamos dar uma olhada no mais conhecido livro dele: O Menino Maluquinho.

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Foi publicado em 1980, é narrado em terceira pessoa e fala de um menino normal com ilustrações simples (que uma criança pode copiar ou criar com base nos desenhos). Todo o livro é uma descrição deste menino que tem sua família amigos e problemas comuns. E aí começamos a perceber algumas coisas. O livro só se foca na personalidade e nas relações pessoais do menino, não em suas posses ou pensamentos. Sempre o vemos a uma distancia próxima, mas não demasiadamente intima. A história dele é comum, entretanto não é tratada de forma insignificante ou mesmo sem ser particularizada.

Observe que os pais do menino (não há realmente nomes neste livro, as pessoas são chamadas por suas relações: o pai, a mãe, o professor, etc.) se separaram. Isto é algo comum o suficiente para várias crianças ao menos conhecerem alguém que teve a experiência, mas não é o padrão contado na maioria dos livros. Ou seja, qualquer um pode ser este menino, mas este personagem é impar por si.

Mais um aspecto importante é que as idéias são representadas realmente de forma abstrata. Isto é muito raro, pois exige que o leitor compreenda sobre sentimentos. Ziraldo não subestima a inteligência das crianças, deixando a elas a opção de rir de coisas que provavelmente já escutou ou que quando escutar irá fazê-las recordar o livro.

E, por fim, o maior aspecto que se destaca é que todo o livro é um imenso elogio do encontro da imaginação com a realidade. E sem que uma seja fuga ou antagônica a outra, no livro as duas convivem e servem como alicerces a felicidade da infância e ao desenvolvimento saudável.

O grande segredo que O Menino Maluquinho de Ziraldo conta a quem quer escrever para crianças, ou mesmo conviver com crianças é este: respeitem a imaginação e a inteligência das crianças. Elas já começaram a historia que formara os adultos que serão.

RUI CARODI

 

EXPERIÊNCIA DE LEITURA: O HOMEM QUE CONFUNDIU SUA MULHER COM UM CHAPÉU.

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Faz muito tempo que eu estava lendo este livro em uma destas salas de espera que cheiram a sala de espera sem nenhum esforço em ser qualquer coisa minimamente interessante alem de um abatedouro de tempo. A secretária pediu o nome do livro e eu mostrei a capa de “O Homem Que Confundiu a Mulher Com Um Chapéu”.

Eu expliquei que se tratava de relatos sobre os pacientes que o Oliver Sacks foi atendendo durante sua carreira. Falei que Sacks era um neurologista famoso cuja competência havia atraído pacientes que tinham doenças muito estranhas como a da mulher de noventa anos que se torna namoradeira (A doença de cupido), dos gêmeos que lembravam tudo que viviam e podiam falar varias informações sobre uma data que lhes fosse falada (Os gêmeos), e do músico que vai perdendo o significado dos estímulos visuais concretos (justamente o caso do homem que confundiu sua mulher com um chapéu).

A secretaria simplesmente perguntou por que ler livros assim. É uma boa pergunta. Claro que existe o apelo ao bizarro que está presente desde o titulo, mas isto não é o suficiente para justificar porque este é um bom livro. E é um bom livro, interessante, bem escrito e que nos faz pensar muito tempo após o termos lido.

Para encontrar a resposta que não pude dar para a secretária tiver que refletir sobre este último ponto. O que ficamos pensando depois de termos lido este livro? Eu fiquei pensando nas coisas que fazemos e pensamos, e em quanto elas podem ser decorrências de doenças, de genética e de coisas que não temos nem controle, nem consciência. Eu fiquei pensando em como eu lidaria com aquelas situações se ocorressem próximo a mim. E, também, fiquei pensando o que eu faria no lugar destas pessoas.

E só pude pensar nestas coisas pela grande capacidade narrativa de Oliver Sacks em descrever seus pacientes. É muito comum, em relatos do tipo, que se esqueça as personalidades e relações de vida que se formam, tornando todas as historias como histórias de doenças que estão embaladas por seres humanos. Aqui, não. Nós temos pessoas reais e que poderíamos conviver durante a vida passando por situações que por acaso tem a ver com uma situação neurológica.

E isto leva a variedade de relatos e a autenticidade deles. Quando dois pacientes com o mesmo problema de reter memórias recentes (Uma questão de identidade e O marinheiro perdido) agem de formas completamente diferentes, nós entendemos o porquê, é porque são pessoas diferentes e que agiriam de formas opostas a quase tudo na vida. Seus pacientes são sempre mais interessantes que as doenças.

Portanto não é bom recomendar apenas a leitura deste excelente livro “O Homem que Confundiu sua Mulher com um Chapéu”, e sim recomendar que, dentro de nossas possibilidades, também tentemos ler as pessoas como Oliver Sacks fazia. Com interesse e respeitando suas histórias. Talvez assim possamos até conversar bem com as secretárias que sequer lembramos o nome em salas anônimas de espera.

Rui Carodi.

Experiência de Leitura: A Orelha de Van Gogh

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                Moacir Scliar foi um escritor fabuloso. Nascido em Porto Alegre, de família judia, e formado em medicina com especialização em saúde publica, parece dizer a cada frase que a literatura é uma festa a que todos estão convidados. Você poderá lê-los e aproveitá-los não importando se tens uma bagagem cultural de décadas de erudição ou se aprendeu a ler apenas alguns meses atrás. Tirará deles um grande proveito, pois funcionam como parábolas, fabulas e relatos que parecem esconder em sua simplicidade algumas grandes verdades.

               Seus contos em geral são muito simples e marcantes, e neste “A Orelha de Van Gogh” alcançaram um grau de escritura em que tudo que é narrado é interessante e desperta lembranças. Não é a toa que o uso de personagens arquétipos como o velho, o anão, o príncipe, o ditador, o matemático, etc. e o reconto de narrativas bíblicas e populares se mistura com personagens cotidianos fundindo perfeitamente um mundo fantasioso com a comum vivencia que todos conhecemos.

                 Esta característica acaba tornando suas histórias atemporais e sem caracteristicas locais exageradas. Mesmo em um conto com tema regional como “Marcha do Sol nas Regiões Temperadas”, poderia virar um filme americano ou francês, ou ser adaptada para um mangá ou fumetti sem perder sua essência.

                   Exatamente nisto que esta a grande força destas histórias. Na sua essência contam sobre os grandes temas, os maiores medos, incertezas e decepções que a vida de qualquer pessoa passará de uma forma leve, mas irônica e conseqüente. São pequenos flashes de uma luta enorme do homem com o destino.

                 Assim, sem perder a tristeza, vemos a morte de uma criança recém nascida em “Minuto de silêncio” e nos pegamos a pensar na coincidência que a envolve. Ou vemos um relato bíblico que envolve um povo inteiro pelo ponderar de um homem sobre uma cabra. Ou mesmo no conto que dá nome ao livro toda a cadeia de acontecimentos que envolvem a sobrevivência de uma família é narrada divertidamente por um esquema de um tio trapaceiro. Ou seja, todas as grandes questões estão ali, só dependendo do leitor querer se aprofundar nelas.

                   De minha parte, já havia lido este livro quinze anos atrás (talvez até mais) e fiquei surpreso que sem qualquer esforço me recordava tudo novamente. Como uma história que sempre existiu e que pode sempre ser contada com prazer. Como histórias que a leitura sempre vai estar com você.

RUI CARODI

EXPERIÊNCIA DE LEITURA: NOTICIAS DO PLANALTO

Noticias do Planalto - Mario Sergio Conti

Noticias do Planalto – Mario Sergio Conti

É este livro um calhamaço sobre um período de três anos da historia brasileira ocorridos há mais de vinte anos. E que cada vez se torna uma leitura mais relevante e útil para os dias atuais.

Mario Sergio Conti (na época dos acontecimentos era redator da revista Veja) traça um amplo painel de vários veículos de comunicação envolvidos na divulgação de noticias durante o governo Collor, desde a eleição ate o impeachment.

Para alcançar este objetivo, o autor nos conta a historia de vários jornais e redes de televisão desde sua formação até o momento que os fatos se passam. Mais do isto, a biografia de figuras nacionais e agentes de comunicação são exploradas dentro do que podem ser uteis para o entendimento das ações narradas.

Isto tudo acaba por tornar a leitura interessante e fluida. Embora a pesquisa tenha sido bem conduzida e abrangente, o autor não torna o livro maçante, pois não perde o foco e todas narrativas acabam por contribuir para formar um amplo painel de cada momento narrado e da sociedade brasileira até aquele momento.

Noticias do Planalto acaba por se tornar um belo estudo de caso de como a mídia acaba por manipular a realidade por meio do poder da informação e assim se tornar um grande fator na construção do mundo como o encontramos. Ou seja, como o domínio da informação torna a massa da sociedade manipulável por interesses escusos. Torna-se, desta forma, uma leitura inteiramente atual.

Infelizmente.

Rui Carodi

Experiência de leitura. BISA BIA, BISA BEL

IMG_20150414_170945403Bisa Bia, Bisa Bel é um livro juvenil escrito por Ana Maria Machado e ganhador de vários prêmios e recomendações desde o seu lançamento. Para entender este livro talvez seja necessário citar um ano, 1981, quando ele terminou de ser escrito e foi lido pela primeira vez.

Bisa Bia é a historia de uma menina que encontra uma foto de sua bisavó (também menina na foto) e, a partir disto, começa um dialogo entre gerações passadas e futuras. Nós, lendo o livro na segunda década dos anos 2000, temos várias nostalgias.

Os anos de 1980 já estão bem distantes, e o cotidiano simples da menina Bel já é um passado que não esperamos encontrar, e embora saibamos que o futuro de Neta Beta seja apenas uma invenção que dificilmente ocorrerá, é fácil achá-lo mais próximo de nós.

Quando a menina Bel encontra o retrato da menina Bia (sua bisavó) um elo sentimental se forma através do desconhecido e da imaginação. Este elo é faz o surgimento da terceira menina da história, Beta, a bisneta de Bia, ser possível e promissor. Esta corrente imaginária só pode ser reforçada pelo estimulo e pelo prazer da criação e descoberta.

A principal descoberta que se vai fazendo durante a leitura é que a formação da personalidade é a junção complexa entre o reflexo pessoal dos acontecimentos que nos rodeiam (no livro, há passagens típicas do final da ditadura brasileira, como a citação aos exilados políticos), e a história, tanto o passado quanto a perspectiva do vir a ser, para formação da vivência e repertório cultural.

Ou, em outras palavras, jamais estamos sozinhos pois somos a soma de nosso tempo com o nosso passado e os desejos do futuro.

Rui Carodi

Experiência de Leitura: Como Me Tornei Estúpido de Martin Page

Como Me Tornei Estúpido Martin Page

Como Me Tornei Estúpido
Martin Page

         É fácil simpatizar com Antoine, Protagonista de “Como Me Tornei Estúpido” do autor Martin Page. Ele é um jovem de 25 anos, inteligente e excêntrico, que ainda visita o mesmo medico pediatra de quando era criança e (em uma cena) é carregado no colo por um amigo (talvez a forma do autor de demonstrar que ele é imaturo). Ele tem conhecimentos inúteis em grande quantidade e vários que o leitor também terá, ou ao menos reconhecerá como comuns aos que se dizem intelectuais. Ou seja, ele é um desses personagens relativamente comuns em sitcoms, que poderia ser descrito como gênio deslocado. Até mesmo, sua decisão de eliminar a inteligência, porque esta lhe esta trazendo mais problemas que satisfações, não soará estranha. Ele é um personagem que é agradável de gostar, e isto pode ser um grande problema.

      Este problema não esta nas situações surreais que ele enfrentará por sua decisão. Quando tentará se tornar alcoólatra, quando tentará ingressar num clube de suicidas, quando tentará usar pílulas ou quando tentará ter sucesso no mercado de ações, todas estas situações são engraçadas e lhe fará encontrar personagens muito interessantes e, em sua maioria, cínicos, os quais tornam a representação do mundo real bem evidente. E não chega nem a ser totalmente previsível o desenrolar dos capítulos, visto que em alguns ele consegue o sucesso, ou o fracasso relativo, ou a decepção plena.

         O problema também não esta no desenvolvimento rápido da história e no seu final apressado. Se imaginarmos que no início desta novela, Antoine não poderia considerar a outras pessoas como iguais, o fato de só perceber outra personagem tão excêntrica quanto ele, e começar um relacionamento chega a ser uma decisão boa para demonstrar seu desenvolvimento, embora ainda pareça tão corrido quanto uma sitcom. O autor queria fazer um livro leve, rápido e divertido. Conseguiu com êxito.

         O problema esta no leitor não perceber que aquele agradável personagem é estúpido desde a primeira linha do livro. E, não percebendo isto, não notar que Antoine é uma representação de si próprio, do tipo comum de nossos dias, que foi educado para se achar especial, em um lugar em que ser especial é doloroso.

Rui Carodi

Experiência de Leitura. A ESTRADA de Cormac McCarthy.

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Capa do Exemplar da Biblioteca.

Há centenas de formas de escrever sobre as relações entre pais e filhos. Se enfocarmos mais o lado dos pais alguns sentimentos parecem ser constantes como: a insegurança por não saber se o que esta fazendo é o mais correto;  o sentimento de proteção ao filho;  as pequenas alegrias que ocorrem quando a experiência é útil em alguns momentos; a incerteza constante quanto ao futuro e ao preparo que esta dando a sua cria.

Cormac McCarthy (autor arredio, muito conhecido por suas histórias secas ambientadas no oeste americano como Meridiano de Sangue e Onde Os Fracos Não Tem Vez) decidiu contar uma história assim, e para contá-la resolveu criar um romance de sobrevivência impactante em um ambiente devastado, povoado por criaturas canibais (Zumbis? Vampiros? Homens desesperados? Pouco importa, são os outros, os inimigos.)  e provou mais uma vez que seus poucos livros o colocam com folga entre os melhores escritores dos Estados Unidos.

Na história, encontramos um homem e seu filho já cansados de uma longa viagem na qual levam todos seus pertences em um carrinho de supermercado, penosamente sendo empurrado por estradas desertas, em um mundo despovoado, destruído por uma grande tragédia. Nunca temos detalhes sobre o quê, quando, ou mesmo porquê este desastre aconteceu, mas fica claro que tudo é obra de atos humanos.

O pai é um homem rústico, descrito como de certa idade e dando a entender que envelhecido prematuramente devido ás circunstâncias, enquanto o filho é uma menino, jovem demais para ser realmente útil nos esforços mas com discernimento para entender a situação que estão. Os diálogos entre estes personagens são raros e soariam banais em outras circunstâncias, porem o autor é hábil em não desperdiçar o peso dramático de cada fala. Desta forma, sem forçar para o sentimentalismo, palavras e ações de cada interação destes personagens fazem o leitor entender a importância desta relação familiar.

Gostaria de citar duas passagens onde isto ocorre. Na primeira, o pai consegue preparar uma espécie de cozido com cogumelos e, junto com o filho, acabam tendo a refeição daquele dia. É algo pobre e difícil de engolir, mas é o melhor que se consegue fazer e eles só podem passar juntos por isto. Na segunda, uma lata de Coca-Cola, talvez a última do mundo, é encontrada e o pai insiste que o filho a beba, para que tenha esta experiência que ele mesmo teve.

Nesta jornada, em que a incerteza e o perigo são constantes e as perdas são inevitáveis , a esperança é débil mas é a única coisa que ainda faz a trajetória possível. O autor conseguiu escrever um belo livro, que pode servir de metáfora a vários aspectos dos relacionamentos familiares e até sociais, sem ter uma situação inútil, sem que nem uma emoção precise ser citada para que o leitor a entenda.  Cormac McCarthy escreveu um livro que  acompanhará o leitor disposto a se indagar constantemente em suas relações pessoais. Cormac McCarthy conseguiu escrever uma obra prima, em que nada sobra ou nada falta. Um livro que se renova a cada leitura e deve ser sempre recomendado.

Por Rui Carodi.

Leitura nas férias!

Férias chegando, mas a Biblioteca da Unesp de Bauru permanecerá aberta, exceto no período de recesso (de 22 de dezembro de 2013 a 05 de janeiro de 2014).

Os leitores interessados poderão frequentar durante todo o período, utilizar o espaço para estudo, fazer pesquisas, empréstimos e devoluções. Já aqueles que irão viajar, também terão vantagens, a devolução dos materiais emprestados está para o dia 1º de março de 2014, podendo ser renovados caso não haja reserva do material nem pendências no cadastro.

Para uma pausa nas leituras obrigatórias e científicas, sugerimos os livros de literatura disponíveis no acervo da Biblioteca, que são interessantes e diversificados, como os listados abaixo:

O vampiro Lestat – Anne Rice, foi disponibilizado no acervo no mês passado.

A culpa é das estrelas – John Green, disponibilizado no mês de novembro, sucesso entre os jovens.

Meninas inseparáveis – Lori Lansens, disponibilizado neste mês (dezembro), história sobre irmãs siamesas.

A leitora do alcorão – G. Willow Wilson, interessante história sobre uma americana que se converte ao islamismo.

A solidão dos números primos – Paolo Giordano, história de amor com inúmeras interferências e problemas de saúde, superações, etc.

As mentiras que os homens contam – Luiz Fernando Veríssimo, humor brasileiro.

O menino do pijama listrado – John Boyne,  história comovente sobre a guerra.

A cidade do sol – Khaled Hosseini, do mesmo autor de “O Caçador de Pipas” que aborda também a situação do Afeganistão, entretanto com foco na mulher Afegã.

Queria que você estivesse aqui – Francesc Miralles.

A Biblioteca conta ainda com vários outros títulos de literatura portuguesa e internacional.

Seção Técnica de Aquisição e Tratamento da Informação

Experiência de Leitura – A Humilhação

Foto: Divulgação

Foto: Divulgação

Você já sabe o que vai acontecer. Nas primeiras páginas, há uma solução para o Simon Axler, mas é tão difícil aceitá-la que precisamos ver seus pensamentos para não fugir. Nosso personagem perdeu o que lhe causava orgulho, as coisas que podiam mantê-lo humano aos próprios olhos.

Nós, leitores, em algum momento tivemos as dúvidas e os sentimentos que o romance A Humilhação descrevem para seu protagonista. Mas, sempre tivemos alguma esperança, algo que no futuro poderíamos conseguir. Simon chegou a uma fase de sua vida em que não lhe é mais possível esta possibilidade.

Aos sessenta e cinco anos, consagrado como ator, perde a capacidade de atuar. Nossa identificação é fácil, ocupando nossas profissões tentamos parecer com a imagem que fazemos de nós mesmos. Procuramos em nossas vidas pessoais sermos os melhores nas atividades de cada papel que socialmente ocupamos, frequentemente nos preocupamos se realmente somos bons, se não conseguiríamos sermos melhores ou tão bom como pensávamos que éramos. Às vezes, como Simon, temos a certeza de que não e nada do que ele procure fazer poder retirar dele esta certeza.

Mas, o autor Philip Roth é muito hábil em demonstrar quanto humano, quanto universal e banal que estes tormentos são. Ele não se deixa entrar em mares de autopiedade, e apresenta personagens que são bem mais velhos e não sofrem com esta angustia (como o editor de Simon). Além de apresentar uma tragédia maior com outra personagem, cuja história se desenvolve na narrativa tanto quanto complemento como comparação. A história de Sybil Van Buren, que viu ou acredita ter visto uma violência sexual com sua filha de quatro anos, é algo que não poderá ser esquecido embora seja tratada em tão poucas páginas e com tão poucos pontos em comum com história principal.

Quem já conheceu o autor em seu primeiro romance (Complexo de Portenoy) e, como eu, não acompanhou seu percurso literário, vai sentir falta do humor, de certa leveza, neste livro. Porém não poderá negar que o talento se aprimorou e a capacidade de descrever situações se tornou algo próximo do sublime. Todos relacionamentos de Simon, a separação com sua mulher, a complicada relação com a professora lésbica Pegen, são detalhados sem nunca se soarem falsos, com palavras precisas e sem excessos. Por sinal, toda a narração que envolve Pegen, desde a história pessoal antes de conhecer Simon até sua despedida, a tornam tão real que não é necessário explicar seus motivos. Nós os entendemos, pois conseguimos pensar como ela.

Perto do final do romance temos uma brilhante descrição de uma fantasia sexual constante do universo masculino sendo realizada. O autor não nos poupa da realidade de que esta fantasia não é libertadora, e de que, no fundo, ela é triste, sendo resultado de nossa impotência humana.

Um excelente livro, curto e cruel.  Leiam com cuidado e tenham algum plano para poder se divertir depois.

por Rui Carodi

Experiência de leitura: “O pato, a morte e a tulipa”

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Olhemos uma criança. Ela é pequena, inocente. Queremos protegê-la, não podemos. Nós queremos que ela aprenda tudo,  não sabemos o que ensinar. Não queremos que ela sofra, ela irá sofrer.
Em frente a uma criança percebemos quão impotente somos frente ao futuro, quantas dúvidas vamos carregando durante toda vida. Uma destas dúvidas que nos acompanharão sempre, que nos abala as certezas, que evitamos até pensar e que parece pesada demais para qualquer criança é a existência da morte.
Por isto saber que há um livro corajoso, um livro de poucas páginas, bem ilustrado, com um texto que não ocuparia duas páginas se fosse digitado, pode tanto nos inquietar quanto nos auxiliar.
O pato, a morte e a tulipa do escritor alemão Wolf Erlbruch conta, por meio de uma alegoria, sobre a angustia e sentimento de perda que a morte nos provoca. A história fala do encontro, convivência e amizade entre um pato, que não esta se sentindo bem, e a morte, representada de forma infantil como um esqueleto simpático, durante os últimos dias de vida do pato.
O autor teve muito cuidado em deixar o tema leve, procurando não impor respostas, apenas deixando a história fluir e a contando para que a sintamos, para que nos questionemos. Há uma serenidade raras vezes vemos quando nos deparamos com este tema.
Não há fuga, a convivência com a morte não nos deixa menos triste e, mesmo com a poesia que a imagem da tulipa sobre o pato deslizando sobre o rio que corre, não deixamos de sentir o peso do fim.
Mas é um livro que nos fala mais do que isto. Ela fala de momentos, de um lago que se pode nadar, de uma arvore a subir, de ficar junto sem falar nada, de pensamentos que surgem e vão sem respostas.
Este pequeno livro ao não fugir do assunto da morte acaba nos apresentando uma parte da importância, da beleza da vida. É um livro que talvez seja muito bom para uma criança ler junto com adulto. Para que um adulto admita que também ele tem o mesmo medo de uma criança.

por Rui Carodi

PS.: Gostaria de dedicar este texto a Melissa e Enzo, que recentemente resolveram nascer neste mundo que é tão estranho, tão confuso, mas que vale a pena conhecer.